Qual a importância das leis de incentivo para o desenvolvimento econômico do setor cultural?
A partir dessa semana daremos início a uma série especial de artigos nos quais discutiremos o papel das políticas de incentivos culturais na consolidação da arte e da cultura como atividades essenciais para o setor da economia criativa e cultural – capazes de promover renda, realização profissional, pessoal e retorno sócio-cultural à população.
Como primeiro incentivo, selecionamos o ProAC (Programa de Ação Cultural), programa que recentemente foi alvo de muitos debates e questionamentos por conta da sua suspensão por parte do Governo do Estado de São Paulo. Mas afinal, qual a importância dessa legislação de fomento à cultura para a sociedade e, principalmente, para os habitantes deste estado?
Quem está sempre acompanhando notícias do cotidiano e pautas relacionadas à cultura deve ter se deparado com o anúncio de uma medida do Governo do Estado de São Paulo suspendendo a lei de incentivo cultural ProAC ICMS, no dia 17 de janeiro.
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A medida, válida para 2021, 2022 e 2023, faz parte de uma série de ações do Governo para recuperar-se do déficit fiscal gerado pela pandemia da Covid-19. O Estado de São Paulo, entretanto, afirma que o valor de R$ 100 milhões, geralmente investido nesta lei pelo incentivo fiscal a empresas, não será alterado, porém ainda não foi decretado como será a logística de distribuição deste orçamento.
Consequentemente, a ausência de uma medida que contemple a lacuna deixada pelo ProAC, provoca um sentimento de instabilidade para os profissionais da área cultural e artística, além da sensação de desamparo do setor cultural como um todo em relação ao apoio do governo, patrocínio e divulgação institucional de projetos culturais e artísticos.
Com a finalidade de mostrar as possíveis perdas desse posicionamento do governo e ressaltar os ganhos que é possível obter quando investimos nas produções do setor da cultura, usaremos como base a pesquisa publicada pela FGV Projetos em 2018: “Análise dos Impactos Econômicos e Sociais do Programa de Incentivo à Cultura do Estado de São Paulo – ProAC-SP”, a qual estudou 2.528 projetos contemplados.
De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, o investimento governamental no ProAC foi de R$ 715,4 milhões entre 2013 e 2017, e gerou mais de 4 mil postos de trabalhos diretos no Estado de São Paulo. Além disso, em 2020 as atividades relacionadas à economia criativa do estado corresponderam a 3,9% do PIB estadual, e 47% do PIB Criativo nacional. Por essas razões, podemos dizer que esta lei não só permite, como, entre outras consequências positivas, incentiva o crescimento deste setor da economia em São Paulo.
O que é e como funciona o ProAC?
O ProAC (Programa de Ação Cultural) é um programa de incentivo à cultura do Estado de São Paulo, criado em 2006 a partir da Lei nº 12.268/2006. Esta legislação visa o patrocínio e apoio do intercâmbio, da divulgação e da produção artística e cultural no estado, além de promover a preservação e difusão do patrimônio cultural e de apoiar pesquisas e espaços de circulação da produção cultural e artística.
Este programa se dá através do financiamento de diversas atividades artísticas como dança, artes cênicas, circo, quadrinhos, festivais, artes visuais, museus, música, literatura e produções audiovisuais, se dividindo em duas vertentes: “ProAC Editais” e “ProAC ICMS”, conforme explicado a seguir.
ProAC Editais
Utiliza recursos financeiros diretos fixados pela Secretaria de Estado da Fazenda, de modo que não se torna necessária a busca por patrocinadores. Todas as informações desta vertente do programa são disponibilizadas e regulamentadas por editais, sendo cada edital direcionado para um segmento cultural.
No descritivo do ProAc Editais são informados o objetivo, prazo de inscrição, documentação necessária, valor do prêmio e o número de projetos que serão selecionados para o prêmio.
ProAC ICMS
Utiliza recursos do Fundo Estadual de Cultura provenientes de renúncia fiscal e projetos incentivados por meio de patrocínios. Cada projeto proposto para ser contemplado e poder utilizar os mecanismos da lei, passa por um processo de seleção que vai desde a análise da proposta, por parte de uma comissão especializada, até a sua aprovação no programa.
Dentre os critérios de seleção desta comissão encontramos a relevância artística e o orçamento apresentado em concomitância com o limite de captação estabelecido para cada tipo de proposta. O proponente de cada iniciativa contemplada, a partir da sua aprovação na lei, pode solicitar patrocínio para empresas de São Paulo, as quais têm o direito de receber descontos no ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços), por meio da isenção fiscal.
Visando ser democrática e permitir a distribuição de recursos para uma maior diversidade de projetos, a legislação do ProAC ICMS estabelece que cada pessoa física pode ter um projeto inscrito, e, cada pessoa jurídica, dois.
Quanto ao patrocínio, as empresas interessadas em incentivar projetos aprovados pela comissão do ProAc, apresentam um limite de investimento inversamente proporcional à taxa de imposto que recolhem: empresas que pagaram até R$ 75 milhões de ICMS no ano anterior podem contribuir com até 3% no ano vigente; já empresas que ultrapassaram os R$ 4 bilhões, podem contribuir com até 0,038%.
Desemprego no Brasil x Empregos no setor cultural
A empregabilidade no Brasil é uma questão antiga, de alguns anos para cá vivemos uma alta alarmante no desemprego: em 2020 a taxa de brasileiros desempregados foi de 14,3% no terceiro trimestre. Retomando a pesquisa realizada pela FGV, que estudou os impactos sociais e econômicos a partir de 2.528 projetos premiados pelo ProAC Editais e ProAC ICMS, entre os anos de 2013 e 2017, o número de empregos gerados foi 1.321 na cadeia do setor cultural e R$ 37,9 milhões em salários.
Uma análise que pode ser feita através desta pesquisa, acrescida da situação atual de suspensão do ProAc, é que, se não houver o repasse de verba para a área artística, esses trabalhadores se somarão à porcentagem de 14,3% de desempregados citada acima.
Dessa forma, teremos ainda mais pessoas sem perspectiva profissional e menos oferta de serviços culturais à população, ou seja, menos produção e menos consumo.
ProAC em prática
Um ponto interessante sobre esse programa é a transparência em relação aos dados e números, ou seja, todos os projetos culturais submetidos ao ProAC podem ser consultados publicamente no endereço eletrônico http://proac-icms.cultura.sp.gov.br/Home/Index.
Como forma de exemplificar ainda mais a importância deste programa para a construção de um Estado repleto de oportunidades, tanto para a classe artística, quanto para a classe consumidora, mostraremos um caso aprovado.
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O projeto em questão, “Exposição: As mil Caras de Geraldo Ferreira”, pertencente ao segmento das artes visuais, traz como proposta, conforme descrito na página do ProAC, realizar uma exposição de 30 dias no Espacio Uruguay, localizado na Av. Paulista, próximo a diversas opções de transporte público como metrô e ônibus.
Na descrição do projeto ainda se oferecia palestras educativas em espaços públicos e escolas públicas do estado de São Paulo, de cunho inclusivo e democrático.
As palestras funcionam como ferramentas de incentivo à visitação de exposições de arte, além de serem espaços propícios para explanação e aproximação de conceitos como curadoria e crítica de arte aos espectadores, visando difundir o segmento artístico e encurtar distâncias do público em geral das próprias obras de arte, das instituições culturais, galerias de arte, entre outras.
Por fim, o projeto da exposição em questão também propunha um workshop para crianças entre 3 e 10 anos, com o objetivo de interação com as obras do artista.
Dessa forma, ao analisar brevemente um projeto contemplado e aprovado pela lei ProAC, entendemos a importância e o impacto de fomentos desta natureza, para além da geração de renda e emprego anteriormente mencionada, mas também, principalmente, para a educação.
Isso ocorre pois, em muitos casos, em paralelo a ideia principal do projeto, acontecem eventos e oficinas que são contrapartidas de caráter social e educacional, através das quais é possível construir e formar uma geração de jovens que, frequentemente, se desloca entre espaços gratuitos que promovem bens e serviços culturais de variadas áreas, temas e que oferece inúmeras possibilidades de conhecimento.
Uma sociedade é feita de muitas camadas sócio-econômicas, e, se conseguirmos a partir da arte e da cultura, ampliar a visão de mundo das pessoas e oferecer contato com outras maneiras de criar, com outros símbolos, inquietações, problematizações, por quê não escolher essa prática?
O ProAC, assim como outros mecanismos de fomento e incentivo, detém esse poder e atua diretamente no desenvolvimento social, cultural e econômico do estado de São Paulo, podendo, inclusive, servir como modelo para programas de fomento em outros estados brasileiros, por meio de impostos estaduais.
Nova movimentação
Desde do dia 05 de fevereiro, tramita na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, um PDL (Projeto de Decreto Legislativo) que susta os efeitos da portaria que suspendeu o ProAC ICMS até 2024. Se for aprovado, o PDL obriga o governo a repor imediatamente a lei em atividade.
Aguardamos, portanto, o desenrolar dessa história tão importante para toda a população. Já no último dia 12, o prefeito da cidade de São Paulo, Bruno Covas, e o secretário municipal de Cultura, Alexandre Youssef, anunciaram o Plano de Amparo à Cultura 2021, que é um conjunto de medidas de apoio a profissionais do Carnaval e da área da cultura que foram afetados pelo isolamento social devido ao Covid-19. Essas medidas apresentam valor total de R$ 100 milhões.
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O ProAC é um dos programas de incentivo à cultura mais importantes do país e emprega milhares de trabalhadores da cultura, direta e indiretamente. A suspensão do ProAC ICMS é sentida com muito pesar pelo setor cultural, principalmente pelos proponentes que já tinham uma fidelização com patrocinadores corriqueiros e agora terão que utilizar editais para viabilizar seus projetos e atividades.
Espera-se que o governo do Estado de São Paulo empregue novas medidas para continuar auxiliando os trabalhadores da cultura.
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