Quem nunca se perguntou como iniciar uma história? Ou melhor, como contar a própria história? O que dizer sobre si mesmo, como estruturar os acontecimentos? Como mapear a trajetória?

Joseph Campbell, escritor e grande mitologista de Nova York, desenvolveu uma teoria conhecida como “Jornada do Herói” ou “Monomito”, que é uma estrutura lógica presente nas mais diversas narrações, mitos e histórias de todos os povos e culturas, tal formato de sucessão de eventos e situações se caracteriza por contar uma trajetória de um indivíduo de maneira cíclica, em que o protagonista ultrapassa desafios para se tornar herói, sendo organizada em 18 passos.

Esse conceito também ficou bastante conhecido quando foi adaptado pelo roteirista Christopher Vogler, em seu livro “A jornada do escritor”, transformando-se em 12 passos.

Muito utilizada em romances e obras de aventuras, como por exemplo, Guerra nas Estrelas, Mulan, Matrix, entre outros casos,  a Jornada do Herói começou a ser aplicável em meios fora do universo ficcional, algumas empresas e marcas adotaram essa estratégia, já que a estrutura das etapas que a jornada evoca, cria uma aproximação entre a figura central da narrativa e quem está lendo, e transmite de forma certeira as missões e valores da instituição.

E quais são as etapas?

Vamos a elas:

1. O mundo comum
2. O chamado para a aventura
3. Recusa do chamado
4. Auxílio sobrenatural ou Encontro com o mentor
5. Travessia do Primeiro Limiar
6. Aliados, inimigos e provas
7. Aproximação da caverna oculta
8. Provação
9. Conquista da recompensa
10. Caminho de volta
11. Ressurreição
12. Retorno com o elixir

Essas etapas podem ser brevemente resumidas por este caminho:

O protagonista é apresentado em seu cotidiano, dentro da normalidade de seu mundo, então o chamado para a aventura rompe com esse universo tranquilo e propõe uma missão irrecusável à figura central. 

Em um primeiro momento, há a recusa desse chamado, seja por medo ou insegurança diante da decisão, já percebe-se uma tendência a aceitar em algum momento o trajeto desconhecido, mas falta a tomada final de consciência, assim, a figura sobrenatural ou de mentoria/sabedoria surge e aconselha o protagonista a seguir seu caminho designado.

Começa então o desbravamento entre o mundo comum e o mundo novo que simboliza o ponto chave de tomada do lugar da ação, isto é, assumir o papel que lhe foi atribuído. Nos primeiros quadros da jornada, apresentam-se inimigos, testes, imprevistos e aliados, o protagonista tem que desenvolver habilidades para driblar as adversidades.

Após essas turbulências, a metáfora da caverna oculta se estabelece, ou seja, é quando o recolhimento e a reflexão dominam a narrativa.

A provação chega, o obstáculo mais difícil da jornada inteira, podendo apresentar um perigo fatal, mas o herói vence a batalha com a ajuda de todo o conhecimento e parcerias adquiridas no caminho e recebe uma recompensa.

Ainda não é o momento de comemorar, pois ele precisa voltar para a casa, retornar ao próprio mundo, esse percurso é normalmente repleto de reflexões sobre a experiência vivida. Porém, o inimigo ressurge para um último conflito (clímax) e a figura central precisa mostrar todo seu potencial e prevalecer de uma vez por todas.

Enfim, o triunfo, vitória e reconhecimento do mundo de origem. O protagonista se sente transformado e revolucionado, oferecendo aos leitores ou telespectadores, uma lição final ou um exemplo a ser seguido.

Como a jornada do herói ajuda o artista na identificação com o seu público?

Homem desenhando árvores no papel no parque

Na teoria parece fácil relacionar a estrutura da narrativa do herói a vida de um artista, mas na prática muitas dúvidas e inseguranças surgem, para ajudarmos vocês a compreender como usar essa ferramenta, aplicamos o conceito de Campbell na biografia de um artista, a seguir exemplificaremos a Jornada do Herói por meio da trajetória do pintor e poeta suiço Paul Klee.

O mundo comum: Paul Klee nasceu em Münchenbuchsee, uma comuna da Suíça. Sua família já era ligada às artes, mais especificamente em relação ao universo da música, já que seu pai era professor de música e sua mãe treinava para ser cantora.

O chamado para a aventura: Entre sete e oito anos, ganhou dois presentes, um violino, que logo aprendeu a tocar, e uma caixa de giz.

Recusa do chamado: Por influência familiar, Paul Klee se dedicou a música, almejando tornar-se músico.

Auxílio sobrenatural ou Encontro com o mentor: No ano 1898, apesar da relutância de seus pais, Klee começou a estudar arte na Academia de Belas Artes em Munique, com Heinrich Knirr e Franz von Stuck, se destacando principalmente em desenho.

Aliados, inimigos e provas: Após concluir sua formação na Belas Artes, Klee permaneceu na Itália por vários meses com seu amigo Hermann Haller.

Aproximação da caverna oculta: Em 1905, ele desenvolveu técnicas experimentais, o que resultou em 67 obras, além disso completou um ciclo de 11 rascunhos em placas de zinco, as Invenções – suas primeiras obras a serem exibidas, nas quais ele ilustrava várias criaturas grotescas.

Provação: Ele tentou, sem sucesso, ser um ilustrador em uma revista. O trabalho artístico de Paul Klee progrediu lentamente pelos próximos cinco anos, parcialmente por causa de que ele teve que dividir seu tempo com questões domésticas, e também porque ele tentou encontrar uma nova aproximação para sua arte.

Conquista da recompensa: Em 1910, ele conseguiu a primeira exibição exclusiva em Berna. No ano seguinte, criou algumas ilustrações para uma edição de Cândido de Voltaire. Ainda em 1911, ele conheceu Wassily Kandinsky, Franz Marc e outras figuras de vanguarda, associando-se ao grupo artístico conhecido como Der Blaue Reiter – O Cavaleiro Azul – um dos mais importantes movimentos do expressionismo alemão. A explosão artística de Klee ocorreu em 1914, no ano em que ele fez uma breve visita à Tunísia com August Macke e Louis Moilliet.

Retorno com o elixir: Ao retornar para casa, Klee pintou o seu primeiro abstrato puro “Estilo De Kairouan” de 1914, a pintura é composta de retângulos coloridos e alguns círculos. O retângulo colorido passou a ser um dos seus elementos básicos de construção, alguns historiadores associam a uma nota musical, que Klee combinou com outros blocos coloridos para criar uma harmonia de cores semelhante às composições musicais. Mesmo durante a Primeira Guerra Mundial, ele continuou a pintar e realizou várias mostras. Finalmente, em 1917, as obras de Klee começaram a vender bem e os críticos de arte começaram a aclamá-lo como o melhor entre os novos artistas alemães.

A partir dessa intersecção entre a Jornada do Herói e a perspectiva de vida de um artista, notamos que a narrativa não é algo distante de nós, muito menos um tipo de romantização do percurso profissional e pessoal.

Na realidade, ela é o reflexo dos caminhos que traçamos e dos resultados que obtivemos. Mais uma vez, contar para seu público sua origem, seus desafios e seus sonhos, te potencializa e comunica mais claramente para aqueles que te apreciam, seus valores e o serviço artístico e cultural de qualidade que você oferece.

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