Na semana passada o tema do nosso texto foi fotografia, lembram? Curiosamente, após isso nós da ArtCult nos deparamos com uma poesia do Manoel de Barros, chamada “O Fotógrafo” presente no livro “Meu quintal é maior do que o mundo – Antologia” da editora Alfaguara.

“Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na vida.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.”  (Trecho de “O Fotógrafo, p.115, Manoel de Barros.)

Manoel aqui brinca com uma construção imagética que coloca em diálogo duas artes, a fotografia e a escrita, e ao fazer isso, nos teletransporta para o mundo das possibilidades.

Imaginamos como seria fotografar o invisível, sonhamos em conseguir registrar cheiros e sabores, desejamos cristalizar em uma imagem, uma sensação, olhamos de perto uma parcela da vida. O ato de escrever e de ler pode, portanto, funcionar como uma porta em direção a todas as outras manifestações poéticas da existência humana, ela traça um caminho no real que se pulveriza em reais, no plural.

Pensar nas linhas que tecem um texto, então, é pensar em nossa constituição enquanto seres humanos, enquanto cidadãos. Quanto de acesso você teve aos livros? Quais leituras o construíram? O que aguçava sua imaginação quando criança?

Essas perguntas demonstram como a presença da literatura é de extrema importância em nossa trajetória, assim a leitura e a escrita são direitos que possuímos, entretanto, nem sempre esse direito se faz valer concretamente em nosso cotidiano.

Mulher negra lendo um livro

Segundo uma pesquisa de “Retratos da Leitura” divulgada em 2020, referente aos hábitos de leitores brasileiros, realizada pelo Instituto Pró-Livro, a média de leitura do Brasil por ano é de 2,6 livros por ano, ou seja, um número considerado baixo.

Essa condição é atravessada por inúmeros fatores, começando pela educação: a inconstância da frequência dos jovens nas escolas, a infraestrutura precarizada principalmente nas escolas públicas, passando para questões de espaços culturais: a necessária existência e manutenção de espaços de leitura como bibliotecas, pensando em realidade social dos brasileiros: o tempo livre disponível que é aplicado a dedicação desta atividade, e por fim, a realidade financeira: a difícil aquisição de livros físicos em virtude de alguns valores elevados, enfim, toda essa somatória é resultado de um problema coletivo e não individual, por mais que muitas vezes essa culpa se recaia nos indivíduos, que são os afetados e não necessariamente os produtores desse déficit de consumo cultural.

A má distribuição dos bens materiais que sustentam a vida é um grande problema do Brasil, enfrentamos uma má distribuição de dinheiro pelo país, grandes concentrações em algumas regiões, escassez em outras, desigualdades salariais profundas alimentadas por questões de raça e gênero, disputas por terras, dentre outras situações também podemos e devemos incluir a cultura nesse mapa de adversidades, pois ela se segmenta em vários tipos, o que é muito rico e permite variadas produções, mas que nem sempre todas estão disponíveis a toda a população, alguns livros ou materiais letrados ficam restritos a pessoas de maior privilégio financeiro e sócio-cultural.

Antônio Cândido, grande sociólogo, crítico literário e professor universitário brasileiro, tem uma fala bastante conhecida, que é a seguinte: “A literatura é uma necessidade universal experimentada em todas as sociedades.”

Essa premissa considera que a fabulação ajuda na compreensão das relações, do mundo e do próprio eu, pois ao entrarmos em contato com informações diferentes, muitas vezes ocorre uma associação com vivências mergulhadas em nosso inconsciente, e assim uma nova forma de processar os acontecimentos se desenvolve, uma maneira de olhar as coisas por outros ângulos se instaura, uma nova sensibilidade passa a fluir em nosso corpo.

Como finalização, trazemos Audre Lorde, poeta, feminista negra, lésbica e importante ativista dos direitos civis, em seu texto “Poetry Is Not a Luxury” – A poesia não é um luxo, de 1985. 

“Na linha de frente do nosso movimento em direção à mudança, há apenas a nossa poesia para sugerir a possibilidade tornada real. Nossos poemas formulam as implicações de nós mesmos, o que sentimos dentro e ousamos tornar real (ou agir de acordo com isso), nossos medos, nossas esperanças, nossos terrores mais queridos.”
(Audre Lorde traduzida por Inayê Ramires)

Produção cultural em literatura tem como âncora enaltecer todos aqueles que batalham para que a arte seja mais próxima de toda a sociedade e trabalhar incansavelmente na difusão de materiais da área, seja organizando feiras literárias, eventos de discussão de texto, fazendo editorial de livros, organizando promoções, contribuindo para formação com cursos, enfim muitas possibilidades, a nossa forma aqui foi caminhar sobre o tema, convidando vocês a refletir sobre literatura, leitura e escrita. Que sigamos marcando o mundo com os pés e as palavras!

Para ler o texto completo de Audre Lorde, acesse o LINK e para original em inglês.

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