Em nossa série de produção cultural, passamos por rodada de textos que abordavam a produção cultural em múltiplas facetas das artes, falamos sobre artes visuais, teatro, música, circo, dança, cinema, fotografia e literatura! 

Ufa, e agora? Antes de adentrarmos novamente em cada uma das áreas buscando outros aspectos, temas e conteúdos, vamos refletir sobre a produção cultural em si e a legitimidade da arte como trabalho, assim como as demais profissões presentes em nossa sociedade.

Constantin Stanislavski, ator, diretor e pedagogo russo tem uma célebre frase que se inicia da seguinte maneira “o ator deve trabalhar a vida inteira”, o parágrafo que se segue discorre sobre alguns afazeres relacionado a esta prática, cultivar hábitos, desenvolver-se, não temer a vida e amar a arte.

Essa pequena frase nos revela algumas coisas acerca do universo artístico, o trabalho daqueles que se dedicam ao ofício da arte não compreende apenas o esforço técnico e o conhecimento adquirido, é também uma somatória de experiências da vida: leituras, conversas, viagens, dedicar-se a movimentar o corpo e o espírito, praticar o ato de observar a natureza e as relações humanas, reflexão e persistência, porém muitas vezes é difícil relacionar todo esse empenho ao mercado, a inserção da categoria como profissão e a se autodenominar artista.

Ao olhar para o mundo por volta de 1990, despontam transformações que deslocam o olhar do setor da indústria para atividades realizadas no setor de serviços, que envolvem conhecimento, e foi na Austrália que esse fenômeno ganhou o nome de “Indústrias Criativas”.

O campo de abrangência das indústrias criativas é amplo, podemos citar: desenho arquitetônico, moda, produção audiovisual, rádio e TV, publicidade, design, mercado de artes e antiguidades, artesanato, moda, cinema, software, softwares interativos para lazer, artes performáticas e música.

A partir dessa enumeração, percebemos que nenhuma dessas atividades são novas, todas já vinham se desenvolvendo desde a revolução industrial, entretanto, a globalização e o novo fluxo de informações proposto pelas mídias sociais, inserem essas áreas profissionais em um novo destaque econômico e social.

As indústrias criativas também possuem determinadas características de produção, são elas: criatividade, uso massivo de tecnologia, equipes multifacetadas e arte pela arte.

O último tópico, “arte pela arte”, pode ser curioso, afinal é uma expressão que circula bastante no meio artístico, mas como se aplicaria neste caso mercadológico?

Normalmente, em uma indústria tradicional, as escolhas, o manejo dos recursos, a logística, as preferências, todos esses aspectos são pautados por termos que, na prática, produzem resultados, ou seja, são usados por uma função exata, para uma finalidade que vai se reverter em números.

Agora, quando se trata dessas indústrias que produzem bens e serviços a partir de concepções intelectuais por meio da criatividade e da tecnologia, o que ordena esses negócios são, muitas vezes, questões estéticas que tem um laço profundo com a própria vertente artística.

Quais os deveres e os desafios para produtores culturais?

Grupo de pessoas reunidas em um museu e conversando

A primeira informação que precisamos ter em mente quando pensamos no papel exercido pelo produtor cultural é que cultura é um direito garantido por lei, sendo assim aqueles que articulam e concretizam as manifestações artísticas e culturais têm uma responsabilidade imensa, pois são as pessoas que executam e garantem o devido cumprimento da regulamentação brasileira de políticas públicas.

A lei da qual estamos comentando está inserida no PNC (Plano Nacional de Cultura) estabelecido em dezembro de 2010. O plano analisa a cultura por um caminho de três vias:

  • 1.simbólica: aquela que considera que todos os seres humanos são produtores de símbolos que se expressam em práticas culturais [tais como: modos de vestir, crenças, idiomas, costumes, além das linguagens da arte: teatro, dança, música, literatura, etc].
  • 2.econômica: já que a cultura promove desenvolvimento de renda, empregos e fluxo de dinheiro e
  • 3.cidadã: a via em que voltamos à questão do direito de usufruir de uma vida repleta de ações culturais.

Ou seja, um produtor cultural deve se atentar a sempre corresponder e fomentar essas 3 direções.

Atualmente grande parte daqueles que atuam como produtores culturais não tem uma formação teórica na área, ou seja, ensino superior em artes ou especificamente em produção cultural, e dessa maneira, suas experiências se constituíram a partir da prática.

Vemos que essa distância entre área do conhecimento e prática profissional é uma lacuna a ser preenchida e um passo importante na perspectiva nacional de cultura.

Vamos aos números: a Pesquisa Panorama Setorial da Cultura Brasileira [anos 2011-2012], realizada por meio da Lei Rouanet, com patrocínio da Vale e Ministério da Cultura, apontou a seguinte porcentagem: escolaridade de ensino superior sendo formação voltada para a área artística e cultural de apenas 17% entre todos os entrevistados, apesar de 66% dos produtores terem se graduado em cursos da área de humanas.

Analisando por outra perspectiva, as formações acadêmicas realizadas pelos produtores culturais não ofereciam foco em abordagem de negócios.

A pesquisa completa 10 anos e com muita esperança acreditamos que certas mudanças se deram durante o espaço de tempo entre a realização do estudo e a escrita do texto de hoje.

Nos últimos anos uma grande oferta de cursos se proliferou tanto por instituições privadas quanto por espaços públicos: gestão cultural, produção cultural, comunicação, logística de eventos, acessibilidade em projetos culturais, prestação de contas, leis de incentivo, enfim muitas formações paralelas, oficinas, workshops e rodas conversas para aprimorar as habilidades e conhecimentos de todos aqueles interessados em construir um país que disponibilize e promova serviços artísticos e culturais.

Para além da formação educacional, que é uma das questões dessa cadeia produtiva, outro desafio contemporâneo é a leitura do cenário cultural, tanto do micro, de onde se fala [região, estado], quanto do macro, o Brasil.

O produtor cultural precisa ser capaz de entender e mapear as necessidades do território no qual atua, já que a partir disso compreenderá as demandas, as urgências, os desejos, os sonhos e as possibilidades inseridas naquele contexto, com esse olhar apurado será viável construir estratégias de ações para aquele bairro, cidade, espaço cultural ou grupo.

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