Propondo um paralelo com o texto da semana passada sobre produção cultural, em que abordamos as consequências do fechamento das galerias e museus para os artistas visuais, e ainda analisando como a dinâmica de produção de cultura se alterou devido a imersão no universo digital, daremos atenção a outra arte hoje, focaremos na produção teatral  com a seguinte pergunta: Como o teatro se posicionou perante as dificuldades?

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Sabemos que a força de sua perpetuação no tempo vem da presença na cena entre atores, atrizes, diretoras, diretores, técnicos e plateia e do encontro real que essa experiência em conjunto propõe. O teatro se alimenta, fundamentalmente, dessa sensação do aqui e agora, e no entanto nos deparamos com o cenário da pandemia em escala global e então, como lidar com esse teatro sem público presencial, sem a troca de energia envolvida em uma criação cênica?

Pensando no contexto do Brasil, algumas ações foram adotadas na área teatral nos primeiros meses da quarentena e facilitaram o processo de entendimento e aceitação do momento que estamos vivendo.

Assim sendo, no começo do isolamento social, determinados coletivos teatrais, grupos e companhias, se restringiram a estudo de mesa e pesquisa, leituras coletivas de textos por chamadas de vídeos, conversas, anotações, aulas, oficinas, workshops, treinamento do próprio corpo, enfim, buscaram conhecimento na teoria ao invés de se desesperar pela prática coletiva, decidindo guardar seus anseios de estar em cena em prol do bem coletivo.

Entretanto, o alargamento do isolamento social e o fechamento contínuo e necessário dos estabelecimentos teatrais, estimularam inquietações tais como “Quanto tempo ficaremos parados?” e assim propostas de apresentações à distância, derivadas de uma vontade de estar junto de novo, mesmo que de longe, nasceram.

Desta forma, o cenário levou artistas de grupos e companhias de teatro independentes começaram a desenvolver apresentações gravadas e ao vivo via zoom, google meet, skype e entre outros aplicativos que dispõe dessa funcionalidade de transmissão de vídeo e som.

Assim, se concretizaram projetos que já estavam em andamento antes da chegada da COVID-19 e novos projetos foram idealizados durante este tempo de incertezas, englobando, inclusive, a própria temática do confinamento. As peças teatrais puderam ser assistidas por meio de ingressos gratuitos ou ingressos “pague quanto puder” e em outros casos, vendidos a um preço fixo de entrada (inteira e meia-entrada).

Já considerada um marco na experiência das apresentações teatrais, essa entrada dos artistas cênicos no meio digital foi um momento de experimentações, de tentativas e erros e, principalmente, um exercício na busca do entendimento deste novo personagem: a câmera. Como encenar com ela? Como fazê-la parte integrante da própria representação? Como jogar com ela? Qual ângulo usar em cada cena?

Para se envolver com essa nova aparelhagem técnica muitos artistas saíram de suas zonas de conforto e se depararam com um universo completamente desconhecido: enfrentaram um embate que acreditamos ser possível levar a um enriquecimento progressivo da própria trajetória artística, através de novas experiências do consumo teatral.

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São tempos de integração, releituras e novas propostas  nas quais mesclou-se teatro e audiovisual, teatro e edição sonora, teatro e efeitos especiais, teatro e criatividade!

Cena de Teatro Sendo Gravada

Sem palco, sem cena?

Pensando agora em um âmbito mais geral, em grandes espaços teatrais, nos perguntamos: qual foi a maneira destes espaços em lidar com a impossibilidade de realizar os espetáculos ao vivo e presenciais?

O Sesc, por exemplo, propôs uma série chamada #EmCasaComSesc, um ambiente virtual artístico que abrange diversas linguagens como música, teatro, dança, atividades infantis e esportes. Essas apresentações e eventos foram oferecidas por meio de transmissões que aconteceram tanto nas unidades físicas do Sesc, quanto nas casas dos artistas.

Dando relevância novamente para segmento do teatro, elucidamos grandes encenações que foram transmitidas durante este período, tal como “Fim de Partida”, do autor Samuel Beckett, “Frequência 20.20”, com Grace Passô e “Mata teu pai”, com Débora Lamm, sendo essas duas últimas atrizes, também diretoras contemporâneas de grande importância dos palcos teatrais e do audiovisual brasileiro.

Para além dos exemplos, diversas obras foram contempladas pela proposta e ainda estão disponíveis no YouTube do próprio Sesc, basta pesquisar a playlist do teatro e assistir!

Interessante mostrar como essa ideia do Sesc deu espaço a uma grande questão que sempre esteve presente no teatro: a relação dos espectadores com a obra, o fluxo de interesse, o nível de envolvimento e de constância deles com as apresentações.

Com isso, refletimos “E, se esse novo momento, de apresentações virtuais se mostrar, justamente, um espaço de consolidação de uma nova plateia?” Podemos nos conectar com um público que jamais poderíamos imaginar, fazendo o teatro ir além dos espaços geográficos através do digital? Formar um novo público/frequentadores de teatro?

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Podemos ver essa adaptação também como formação de público, e com essa entrada de novos olhares sobre a cena teatral, um borbulhamento de toda a cadeia produtiva, novas dramaturgias, novas técnicas de luz e som para serem aplicadas, novas propostas de encenação sendo estudadas, novas temáticas, novos formatos de direção, novas atrizes e atores.

A base da produção cênica se altera e todo o resto se desestrutura e se reestrutura sob novas concepções.

A cena teatral definitivamente sofre com a ausência do palco, das reuniões entre a companhia e da plateia ao vivo que respira, ri e chora, e, por isso, há certamente muitos planos de retorno.

Porém, enquanto não for possível, o foco será nas inspirações que dão continuidade aos trabalhos de forma digital. O interesse por esse modelo de apresentação que proporciona a existência de cenas curtas, peças, performances e leituras dramáticas de maneira remota, levanta questionamentos sobre nossa maneira de relacionamento com quem nos assiste, já que adentramos a casas das pessoas, conquistamos o tempo delas, e prezamos em oferecer um trabalho instigante.

Todos esses pensamentos sobre essa nova ponte entre artista e público ainda carecem de muito diálogo entre os agentes culturais e um certo distanciamento da situação, talvez nos próximos anos poderemos falar com mais certezas dessa revolução de acesso ao teatro via internet descobrindo quais são os desejos desses possíveis novos consumidores e o impacto do teatro na sociedade e no cotidiano.

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