O termo economia criativa pode ser definido como a junção da economia com a criatividade, utilizando como matéria-prima o capital intelectual, ou seja, valores simbólicos. Nessa área se enquadram quatro subáreas: patrimônios, mídias, criações funcionais e artes.

Em 2019 a economia criativa foi responsável por 3% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, e o ano de 2020 começou com perspectivas positivas para o setor, principalmente na área de eventos, porém já no primeiro trimestre ele foi fortemente impactado pelo distanciamento social imposto pela pandemia de Covid-19.

Com o congelamento de atividades julgadas não-essenciais, a cultura se tornou um dos setores mais prejudicados, visto que muitas das suas atividades, como shows, apresentações culturais, gastronomia e eventos, não conseguiram adaptar seus modelos de negócios completamente ao meio digital. Deste modo, encerrar as atividades foi a única opção.

Crise na cultura e reinvenção digital de setores

De acordo com a ONU , a cultura concentra 30 milhões de empregos no mundo. Somente na indústria do cinema, 10 milhões de empregos podem ter sido cortados nos primeiros seis meses de isolamento social, e é estimado que a área da produção musical perdeu mais de U$1 bilhão em patrocínios e apoio institucional.

No Brasil, uma pesquisa realizada pelo Observatório Itaú Cultural estima que até junho de 2020 cerca de 870 mil trabalhadores da cultura perderam seus empregos. Além das demissões, as empresas suspenderam contratos de trabalho e reduziram jornadas de trabalho, com consequente redução de salários.

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Se por um lado o grupo mais afetado foi o dos artesãos, os quais muitas vezes se encontram longe de centros urbanos e com baixa inclusão digital, a indústria de entretenimento e comunicação conseguiu crescer através de redes sociais e plataformas, como Instagram, TikTok e Twitch, principalmente devido a um público que busca por lazeres que não demandem sair de casa, como serviços de streaming e jogos.

Desta forma, os setores que conseguiram se adaptar a formatos digitais e híbridos, os quais sem a pandemia possivelmente demorariam mais alguns anos para serem inseridos no cotidiano da população, foram os menos impactados pela crise cultural. Alguns exemplos são os shows transmitidos em lives e o uso de plataformas como o Zoom para cursos e eventos online.

Mercado da arte: expansão do público e adaptação ao digital

De acordo com uma pesquisa realizada pela Art Basel e pela UBS , as quais entrevistaram quase 800 galerias de arte em todo o mundo, até setembro um terço delas havia reduzido o número de funcionários e 36% registraram queda nas vendas.

Porém, em pesquisa divulgada pelo Projeto Latitude em dezembro, as galerias nacionais registraram um fluxo de vendas inferior ao de 2019 somente no segundo trimestre, quando se iniciou a quarentena, e no primeiro e no terceiro, o fluxo foi igual ou até superior ao do ano anterior.

O aumento do tempo em casa ou até em diferentes casas, devido ao isolamento social, aumentou o desejo de colecionadores comprarem mais obras de arte. Além disso, a redução de gastos com restaurantes e viagens levou a um redirecionamento de recursos. Outro fator importante foi a instabilidade econômica e política do Brasil, o que fortaleceu o papel da arte como um investimento seguro.

É necessário destacar também o surgimento de um novo público de colecionadores, principalmente a geração Y, nascida de 1980 a 1996.

O grande domínio e hábito da juventude em compras online foi essencial para o sucesso de iniciativas coletivas como a P.art.ilha, um grupo de 25 pequenas e médias galerias as quais disponibilizaram em seus sites uma seleção de obras, das quais ao comprar uma no valor de, por exemplo, R$10 mil, o colecionador ganharia um crédito do mesmo valor para uma nova aquisição na mesma galeria, só que de um segundo artista. Fazendo jus ao nome, a renda das obras foram repartidas entre as galerias, os artistas e uma entidade social.

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Refletindo a tendência no setor da cultura, o mercado da arte realizou inovações tecnológicas que não eram previstas por agentes para 2020: a utilização de redes sociais, principalmente o Instagram, para divulgação de obras e o forte uso de estratégias de marketing digital; a criação de lojas virtuais nos sites de galerias que anteriormente vendiam somente presencialmente; e, tanto para instituições quanto galerias e feiras, a disseminação dos Viewing Rooms.

Viewing room da Art Basel Hong Kong
Viewing room da Art Basel Hong Kong

Os Viewings Rooms são salas expositivas virtuais e possivelmente continuarão no pós-pandemia, visto que o mercado já se encontrava num estado de exaustão com a quantidade de feiras de arte no mundo e os consequentes gastos e agendas apertadas. Desta forma, eles auxiliaram na redução de gastos das galerias.

Medidas necessárias para o aquecimento da economia criativa

Em um país como o Brasil, no qual o fomento da cultura ainda é extremamente dependente de iniciativas governamentais e editais, algumas medidas são sugeridas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) para o reaquecimento do setor.

Entre elas estão a facilitação do acesso ao crédito para as empresas conseguirem se reequilibrar a partir de empréstimos; a manutenção do auxílio emergencial, como a Lei Aldir Blanc; a renegociação de dívidas de impostos, e de empréstimos e créditos já concedidos; a retomada de ações de fomento, como editais e chamadas de projetos; e o estímulo ao desenvolvimento de novas tecnologias para auxiliar o setor na adaptação ao digital.

Uma iniciativa que já está ocorrendo é a Escola Itaú Cultural, iniciativa do Itaú Cultural, o qual, desde 1987, auxilia na democratização do acesso a produções artísticas e conteúdos relacionados.

A Escola é gratuita e oferece cursos sobre diversas áreas de atuação cultural, tanto online quanto híbridos, em modo de pós-graduação, extensão universitária e cursos livres.

Lei Aldir Blanc

A Lei Aldir Blanc, regulamentada em 17 de agosto, visa financiar “ações emergenciais” no setor cultural. A proposta é de R$3 bilhões divididos igualmente entre estados e cidades, sendo que quando as cidades não requererem o recurso, ele será destinado para o estado.

São previstos três usos para a verba: renda emergencial, de R$600 por mês; subsídio para manutenção de espaços, empresas e organizações do setor cultural; e financiamento de iniciativas como prêmios, produções e projetos.

Porém, como os benefícios deveriam ser pagos até 31 de dezembro, havia o risco dos governos não conseguirem distribuir a quantia a tempo, de modo que ela seria destinada ao Tesouro Nacional.

Paralelamente, houve atraso por parte da Secretaria de Cultura para a aprovação final dos projetos da Lei de Incentivo à Cultura, antiga Lei Rouanet. O problema é que essa portaria prioriza o patrimônio material e imaterial, como instituições e acervos, e deixa de lado a parte artística, como shows, apresentações teatrais e projetos de livros.

Em meio à demora na destinação de recursos e da desorganização governamental, há o risco de um apagão na cultura, e uma solução, principalmente para artistas e projetos independentes, têm sido as campanhas online de financiamentos coletivos.

É necessário ressaltar que ainda que a digitalização da cultura por meio de redes como Instagram e Youtube promova uma maior difusão da cultura, ela ainda é excludente, visto que uma parcela significativa da população brasileira não tem acesso à internet e computadores ou smartphones.

Ainda assim, a cultura tem sido o respiro de muitas pessoas em tempos de pandemia, afinal, poucos foram os que não viram uma live, ouviram uma música ou assistiram um filme desde março de 2020. Por isso, é necessário que cada um, dentro de suas  possibilidades e interesses, apoie a economia criativa nacional.

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