Se a música é escuta e percepção, você sabe o que ouve?
Música é uma arte que está presente em nosso cotidiano de múltiplas formas, muitas vezes não percebemos sua presença ou não tivemos, naquele momento, o poder de escolha de estar em contato com ela.
Ao adentrar em uma loja e nos depararmos com um rádio ligado ou irmos em uma festa e ouvirmos uma playlist previamente organizada, são exemplos de experiências sonoras que passam despercebidas, acerca das quais não refletimos sobre o que estamos escutando ou a respeito da autoria dessas criações, quem as interpreta, quais sensações provocam, que imaginários podem se criar no tocante as mesmas, quais seus contextos de origem e outras questionamentos que podemos nos colocar.
Em nosso texto de hoje da série Produção Cultural, vamos tatear juntos um pouco do universo da música contemporânea. A começar justamente pelo termo “contemporâneo”, o que ele significa? Segundo o dicionário Oxford Languages (associado ao Google), contemporâneo é “que ou o que é do tempo atual”, portanto, a primeira leitura que temos do que poderia ser uma produção musical contemporânea é aquela que é feita hoje, contemporânea a nossa vida.
Por outro lado, nas academias e universidades a música contemporânea tem alguns parâmetros estéticos e conceituais que ajudam a estabelecer uma definição, que auxiliam a compreensão das criações que inserem nessa designação. Bernadete Zagonel, doutora em música pela Universidade de Sorbonne de Paris, discorre sobre o nascimento dessa maneira de fazer música por volta do início do século XX e diz que a música contemporânea desempenhou o papel de questionar as formas que eram tidas como únicas e definitivas da música que até então era feita.
Processos de quebra geram pluralidades
Quando algo novo surge em resposta a um modelo que vinha sido reproduzido podemos esperar confrontos e rupturas, e o que se rompe, naturalmente, se fragmenta e se espalha. Dessa forma, a música contemporânea reorganiza a maneira de lidar com os sons e é um estudo de experimentação que reverberou no surgimento de muitos estilos, não apenas um outro novo molde rígido.
Citando alguns: atonalidade (música desprovida de um centro tonal/principal, não tendo, por isto, uma tonalidade preponderante), pontilhismo (sequência de sons dispersos, separados por curtos intervalos de tempo), dodecafonismo (sistema de organização de alturas musicais), serialismo integral (método de composição musical no qual utiliza uma ou várias séries como forma de organizar o material musical), música eletrônica (criada ou modificada através do uso de equipamentos e instrumentos eletrônicos), música eletroacústica (compostas a partir de sons gravados e/ou sintetizados) e outras vertentes.
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Cada uma dessas variações têm características intrínsecas a seu modo de composição que podem compreender valorização do timbre, exploração da espacialidade do som, pesquisa sobre o silêncio, inclusão de ruídos, novas grafias e até a entrada de ferramentas tecnológicas.
Um dos nomes iniciais da música contemporânea, por exemplo, é John Cage, compositor e teórico musical estadunidense, estudou com Henry Cowell e Arnold Schoenberg, estes também grandes inovadores da música.
Cage foi muito influenciado pelo zen budismo e correntes filosóficas indianas e buscava no cotidiano material para suas criações. Exemplificando a adesão do ruído como música, temos a peça “Radio Music” de 1956, em que ouvimos vários aparelhos de rádio ligados em diferentes estações por seis minutos, há a passagem de uma frequência para outra com alguns silêncios, tudo isso seguindo a partitura.
Atualmente as pesquisas em cima da música contemporânea se difundem, assim como seu ensino. Há uma árdua tentativa de estabelecê-la no cenário musical contra algumas rotulações que podem ser associadas a ela como uma música “difícil” e “incompreensível”.
Essas ideias vêm de resquícios conservadores por meio da tentativa de enquadrar a criação e certa resistência de ceder espaço para novos tipos de pensamento, experimentações, novas estéticas, novas possibilidades de existir enquanto artista.
Diversas apresentações de peças contemporâneas propõe um diálogo mais ativo com o público, uma proximidade física durante a performance musical, uma proposta cênica articulando a disposição dos intérpretes pelo espaço, buscando também outros lugares de apresentação que não necessariamente os grandes palcos italianos.
Nesse sentido, vimos compositores e compositoras cada vez mais abertos a diálogos e parcerias, ou seja, tudo isso reverbera na obra a partir do desejo de um contato maior entre artista e público, ou seja: a experiência.
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Pensar a produção cultural em música é também refletir sobre esses entraves dentro da própria área, o que está sendo produzido, como está sendo visto por outros da comunidade musical, como está sendo recebido pelo público em geral? Além disso, um ponto essencial seria: como difundir novas proposições?
Como gerar interesse tanto de pessoas para apreciação e vivência dessas experiências, quanto da parte das instituições e empresas que poderiam ser potenciais financiadores desses movimentos? Como fazer este tipo de produção musical chegar a lugares ainda mais distantes e se consolidar?
De fato existem muitas partes neste processo de produção, veiculação e consumo a serem pensadas e repensadas, mas o que podemos destacar aqui é que essa nomenclatura de “música contemporânea” não precisa ficar restrita aos espaços de pesquisa como universidades, que são tidos como distantes das classes sociais menos privilegiadas da sociedade.
Muito pelo contrário, nossa provocação é que a apreciação das obras deveria ser acessível a toda e qualquer pessoa que se interessar por música e toda a complexidade que esta expressão artística propõe.
Quanto maior a quantidade de oferta de diferentes proposições musicais, mais pessoas poderão ser contempladas e se inserir no meio musical como ouvintes, ou mesmo, praticantes. O ciclo se retroalimenta e teremos mais debates, mais movimentações e mais arte!
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